quarta-feira, 3 de agosto de 2011

ISRAEL,JUDÉIA OU PALESTINA? (2° Parte Final)




A região localizada em torno de Jerusalém, onde se estabeleceram os judeus ao voltar do exílio, foi nomeada Yehudah — traduzido por Iudaia nos Setenta —, por referência ao antigo reino de Judá. No fim do período persa, entre 360 e 331, as moedas de prata emitidas pelo governo da província da Judéia trazem a legenda YHD, Yehud na escrita aramaica antiga[3]. Na época selêucida, a Judéia designa o território habitado pelo ethnos tôn Iudaiôna nação dos judeus. Após a expansão do território hasmoneu, a palavra Judéia toma também sentido amplo, incluindo além da Judéia propriamente dita outras regiões, em especial a Samaria e a Galiléia. Essa segunda acepção é testemunhada, por exemplo, por Estrabão: “O país do interior, situado além da costa fenícia, até a fronteira da Arábia, entre Gaza e o Anti-Líbano, chama-se Judéia” (Geografia, XVI, 2,21). O termo designa então o conjunto das regiões habitadas majoritariamente pelos judeus. Na nomenclatura oficial da administração romana, essa acepção ampla será retida para designar a província romana da Judéia. Plínio e Flávio Josefo[4] utilizam a palavra em suas duas acepções. Contudo, na Mishnah, a Judéia, tomada no sentido estrito do termo, constitui com a Transjordânia e a Galiléia um conjunto tripartido mencionado com freqüência[5].
Quando Ezequiel anuncia o retorno dos exilados ao país de seus pais, chama esse país “terra de Israel”. Ali, o povo e seu Deus serão reunidos[6]. Assim, em sua acepção territorial, Israel não se opõe mais a Judá como o reino do norte ao reino do sul. No decorrer de sua história, o nome conserva em geral essa conotação particular — uma terra dada por Deus a seu povo — e se opõe ao país do exílio ou ao das nações estrangeiras. Gravando sobre suas moedas o termo “Israel” e não “Judéia”, os rebelados da primeira e da segunda guerras judaicas fazem mais que declarar a independência de seu território; escolhendo esse termo, afirmam-se como herdeiros da terra ancestral e sagrada. Conforme a regra de que “todo mandamento que é dependente do país só pode se aplicar no país” (Qiddushin, 1,9), quando a Mishnah pergunta sobre os limites no interior dos quais se aplicam as prescrições do Levítico referentes ao ano sabático(Sheviit, 6,1), ou as dos Números sobre o imposto sobre a pasta do pão (Halla,4,8), a Mishnah estabelece que só se aplicam na ‘Erets Israel. No entanto é preciso compreender que se trata aqui de um território de fronteiras sem relação com nenhuma realidade histórica. Enquanto essa designação é atestada com muita freqüência nos escritos rabínicos, é significativo constatar que o termo “Palestina”, ao contrário, raramente é encontrado.
Esses três nomes atestam que o território habitado pelos judeus, mas constituído de regiões tão díspares como a Judéia propriamente dita, a faixa costeira, a Galiléia e a Peréia, foi percebido como formando um conjunto próprio, distinto não só dos países vizinhos mas também das comunidades judaicas da diáspora. É, portanto, suscetível ser um dos referentes sobre os quais se funda o sentimento de pertença a uma mesma comunidade. Contudo, esses três nomes remetem a três percepções muito diferentes de uma mesma realidade. “Palestina” é o nome dado pelos estrangeiros à comunidade judaica. Embora consagrado pela tradição historiográfica — que opõe correntemente o judaísmopalestino ao da diáspora —, não dá conta da relação da comunidade judaica com seu território durante o período do segundo Templo. Tratando-se de uma pesquisa sobre a identidade judaica, essa primeira designação está, por assim dizer, fora do jogo. “Judéia” é empregado tanto na linguagem corrente como na nomenclatura oficial, em hebraico e também em aramaico, em grego e em latim. Sem dúvida, o termo é ambíguo, na medida em que é utilizado tanto em sentido restrito como amplo. Ao menos é empregado tanto pelos próprios judeus como pela administração romana. Quanto a “Israel”, trata-se de uma denominação própria dos judeus, não utilizada pelos estrangeiros. Por oposição ao país das nações, Israel designa a terra onde o povo mantém relações privilegiadas com seu Deus. Longe de ser equivalentes, esses dois termos implicam, cada um, uma visão judaica específica do território judaico: mais política e administrativa no caso da Judéia, mais simbólica no caso de Israel.


[1] Sobre o conjunto dos nomes dados à Palestina: Abel 1933, I, pp. 3 10-332. Sobre a oposição entre “Judéia” e “Palestina”: Feldman 1990, pp. 1-23. A moeda de Naplusa: Rosenberger, III, 1977, p. 6. A moeda da Judéia cativa: Rappaport 1984, p. 51, gravura IV,6. A tetradracma da segunda guerra judaica: Mildenberg 1984, pp. 123-125.
[2] Segundo Flávio Josefo, Antiguidades, VIII, 262; Contra Ápio, 1, 168 ss., esses sírios da Palestina são exatamente os judeus: ver Stern 1976 (onde se encontrará um comentário magistral de todos os outros textos gregos e romanos aqui citados), I, pp. 2-4. a IV, 6.
[3] Sobre essa cunhagem de moeda da província de Judéia: Mildenberg 1979, pp.183-196.
[4] Plinio, História naturalis, V,70; Flávio Josefo, Guerra, III, 5 1-55 (a Judéia propriamente dita); III, 143, 409 (a Judéia em sentido amplo).
[5] Assim Mishnali, Cheviit, 9, 2; Ketubbot, 13, 9; Babba Batra, 3, 2.
[6] ‘Erets Israel. Sobre uma análise semântica do vocabulário da “terra” (‘admat Israel e‘erets Israel) em Ezequiel, ver Keller 1975, pp.481-490.

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